Quando o Clima apita o jogo - Geraldo Lopes da Conceição Cunha
- Redes Rebia
- 4 sept
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Se você acha que no jogo de futebol a maior autoridade é o juiz, você se engana.

Um estádio lotado, jogadores em campo, milhões assistindo pela TV, patrocinadores despejando milhões com as suas marcas e, de repente, o jogo é interrompido. Não por lesão, nem por confusão dos jogadores. Mas por causa do clima. Raios detectados a 8 km obrigam o juiz a seguir o protocolo 30/30: paralisação imediata. A cena, que se repetiu em seis partidas do Mundial de Clubes nos EUA, ilustra como as mudanças climáticas estão ganhando protagonismo até mesmo no futebol.
Essas paralisações somaram cerca de nove horas só neste evento. A decisão segue orientações do serviço de meteorologia local e não deixa margem para flexibilização: se há relâmpagos próximos, é preciso suspender o jogo por no mínimo 30 minutos. A organização tem a responsabilidade de consultar a previsão climática mais recente para entender a probabilidade de tempestades quando há a ocorrência de raios. A contagem reinicia a cada novo raio. O protocolo é rígido, e pela primeira vez, espectadores, atletas e dirigentes se veem diante de uma autoridade que ninguém pode contestar: o clima.
As tempestades, no entanto, não são os únicos eventos extremos que afetam o futebol. O calor também tem exigido adaptações. Partidas ao meio-dia no verão do hemisfério norte obrigam à implementação de pausas para hidratação. São medidas preventivas que colocam em xeque a lógica de se realizarem até quatro partidas diárias com transmissões televisionadas globais que levam os jogadores, torcedores e público a se curvarem frente aos interesses econômicos desportivos — muitas vezes distantes da saúde de atletas e demais envolvidos.
Nesse cenário, o sindicato global de jogadores (FIFPro) tem pressionado a FIFA (órgão máximo do esporte) por mudanças estruturais: jogos em horários mais seguros, pausas mais frequentes e, em casos extremos, o adiamento de partidas. Em 2022, a Copa do Mundo no Catar foi transferida de junho para novembro, algo inédito na história do torneio, justamente para evitar o calor extremo.
Neste mundial, o protocolo 30/30 chegou a causar estranheza por praticamente impedir jogos sob chuva, algo que antes era considerado normal. e trouxe reações como a do treinador da equipe inglesa do Chelsea, finalista do Mundial, que criticou fortemente o compasso climático no país chamando de “piada” e questionando se esse era o local ideal para sediar o torneio.
A questão que se impõe é: estamos exagerando nas precauções ou finalmente começamos a nos adaptar a uma nova realidade? A resposta talvez esteja no que já ocorre em outras modalidades. No tênis, partidas têm sido suspensas por calor extremo. No automobilismo e no ciclismo, etapas foram adiadas por tempestades.
A convivência entre esporte e clima está mudando. A força do entretenimento, do dinheiro e da tradição precisa agora dividir espaço com a ciência e com a urgência climática. E não se trata apenas de proteger atletas, mas de reconhecer que o mundo está mudando — e que até o futebol precisa jogar com novas regras.
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Geraldo Lopes da Conceição Cunha
Advogado, pós-graduado em Administração de Empresas e Gestão Ambiental, auditor, servidor público federal desde 2010 pelo IBAMA, está Coordenador-Geral do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) do Depto. de Cooperação Técnica da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, coordena a Câmara Técnica de Planejamento e Investimento do Comitê Interministerial de Saneamento Básico, e é representante em temas relacionados às mudanças climáticas e cidades resilientes.





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