Uma das pautas consideradas prioritárias para o grupo de transição é, também, a questão dos indígenas isolados, constantemente ameaçados por invasores de terras
Malocas de índios isolados no território Yanomami Foto: Bruno Kelly / HAY
Os participantes da transição que integram o núcleo temático sobre povos originários trabalham para que o futuro governo anuncie a demarcação de territórios indígenas nos primeiros cem dias de gestão, um dos pontos consensuais do grupo. Por outro lado, há uma série de indefinições relacionados ao ministério que será criado para cuidar da área, como as atribuições e até o nome que a pasta receberá.
Aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva consideram um gesto simbólico importante o petista determinar a demarcação de ao menos um território logo depois da posse. A medida serviria para marcar uma diferença para a gestão de Jair Bolsonaro (PL), que não delimitou nenhuma área indígena ao longo de quatro anos, como prometeu durante a campanha eleitoral.
As localidades prioritárias para demarcação foram sugeridas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). São elas a terra Xukuru Kariri, em Alagoas; Arara do rio Amônia e Rio Gregório, no Acre; Cacique Fontoura, no Mato Grosso; e Toldo Imbu, em Santa Catarina. Segundo membros da transição ouvidos pela GLOBO, basta um decreto para que a medida de proteção territorial seja formalizada.
Além desses, outros doze territórios estariam em vias de ser "declarados". Ou seja, estão numa etapa anterior de demarcação, em que uma portaria do Ministério da Justiça precisa ser assinada para dar início ao processo.
Uma das pautas consideradas prioritárias para o grupo é a questão dos indígenas isolados, constantemente ameaçados por invasores de terras. Nesta quarta-feira, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) entregou um relatório ao governo de transição pedindo a reconstrução de políticas voltadas a esses brasileiros. Segundo eles, as pautas indígenas foram desmontadas durante o governo Bolsonaro. O Brasil tem 114 registros de povos indígenas isolados no país.
Na esteira do tema, o núcleo tem discutido a situação dos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Neste ano, indígenas da região foram mortos durante confronto com fazendeiros. O conflito começou por conta da ocupação de uma área onde funciona uma fazenda. Os guarani kaiowá reivindicam a posse desta terra.
– Estamos discutindo a importância de trazer esses pontos de alerta para recomendar a quem for assumir esse lugar de ministro que pense quais são as emergências. – afirma a deputada Célia Xakiábra.
Polêmicas
Até a efetiva criação do ministério para cuidar de temas relacionados a essas e outras minorias, uma promessa de campanha de Lula, há muitos nós a serem desatados. Os representantes indígenas da transição defendem que a pasta não seja batizada de "dos Povos Originários", como estava previsto inicialmente, mas apenas "dos Povos Indígenas". O pedido de mudança de nome já foi feito ao coordenador-geral da transição, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), em reunião nesta quarta-feira. O pleito vai além da formalidade de nomenclatura. Se atendido, representará também uma guinada no foco da pasta.
– É um ministério indígena. Todos os integrantes do GT são indígenas. Já liguei para o Gilberto [Carvalho] para corrigir isso – disse ao GLOBO a deputada eleita Sônia Guajajara (PSOL-SP), cotada para a assumir a nova pasta.
Ela contou que chegou até a receber ligações de representantes de outros povos originários, como quilombolas, caiçaras, ribeirinhos, para saber como seria a participação deles na equipe. Sônia os avisou, no entanto, que o novo ministério deve se pautar apenas na questão indígena.
– Eu acho que cada um tem um espaço. Os povos indígenas têm uma legislação diferenciada e um sistema todo próprio, até a constituição nos coloca assim. Misturar tudo fica confuso – acrescentou a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), outro nome cotado para a pasta.
Na prática, ainda não há definição sequer de qual será a "missão" da pasta. Um grupo defende que funcione como um ponto de articulação entre as políticas de interesse dos povos indígenas presentes em diferentes ministérios, assim como junto a órgãos internacionais e ao Legislativo. Nesse cenário, a pasta não absorveria nem a Fundação Nacional do Índio (Funai) nem da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), como já foi aventado. Os órgãos continuariam nos respectivos ministérios da Justiça e Saúde.
Há outros integrantes, no entanto, que defendem que a Funai seja transferida para o futuro braço do governo voltado aos povos originários, ou apenas aos indígenas, a depender do que for decidido. Esse grupo alega que, se não ficar com a Funai, o ministério já nascerá esvaziado. Um dos obstáculos para incorporar determinadas atribuições é a ausência de previsão orçamentária para a criação do novo o órgão no ano que vem.
E ainda há um outro grupo que pleiteia que a pasta dos Povos Originários abrace apenas algumas prerrogativas da Funai, como a de implementação de planos de gestão em terras indígenas.
– Esses debates estão no contexto do diálogo. E vamos fazer agora uma consulta com outras lideranças indígenas e servidores dos órgãos – disse ao GLOBO Kleber Karipuna, líder da Coordenação de Organizações indígenas da Amazônia, que também integra o grupo.
Karipuna disse ainda que foi combinado no grupo de que o novo ministro da pasta e o chefe da Funai devem ser aprovados pelas organizações indígenas, que representam mais de 300 povos em todo país.
Fonte: O Globo https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/11/mudanca-de-nome-estrutura-da-funai-e-demarcacoes-imediatas-os-debates-para-a-criacao-do-primeiro-ministerio-indigena-do-pais.ghtml
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